sábado, 28 de julho de 2007

Lauande

Lauande

Conheci Lauande, pessoalmente, há uns cinco ou seis meses. A simpatia foi mútua e imediata. Óbvio que a simpatia possível entre uma tucana e um ex-pecebão...

Já nos “víramos” antes, na blogosfera e nos e-mails que trocamos durante a campanha.

Não o conheci mais do que isso – umas duas ou três vezes cara a cara, alguns e-mails, alguns telefonemas e as visitas que fazíamos amiúde, um ao outro, em nossos blogs.

Mas, sinceramente, eu que aprecio, sobretudo, a alma, gostei, profundamente, da alma que vislumbrei...

Lauande era uma dessas pessoas que fazem uma baita diferença no mundo. Porque lutam, até o fim, por aquilo em que acreditam. Porque fazem da transformação da sociedade, a própria razão de viver. Porque olham as outras pessoas como pessoas, que têm direito líquido e certo a uma vida plena e feliz.

Era um sujeito cuja ternura estava expressa no sorriso largo, sincero, encantador. Um sujeito de bem com a vida, de bem consigo mesmo, que ria com a alma. Por isso, tenho certeza de que viveu, nesses efêmeros 41 anos, bem mais, muito mais, do que muitos de nós...

Estou imensamente triste e chocada...

Triste, chocada não apenas pelo Lauande e a família dele, mas, por todos nós.

Essa violência que esmurra as nossas portas tem de parar, precisa parar.

Não é justo que não tenhamos nem mais o direito de caminhar, calmamente, pelas ruas, na companhia das pessoas a quem amamos.

Não é justo que tenhamos de viver como prisioneiros, atrás de grades, trancas, cadeados que nos trazem uma ilusória “sensação de segurança”, que se desfaz na barbárie da primeira esquina.

E, por vezes, na barbárie que invade até mesmo os nossos lares, apesar de todas as trancas, grades e cadeados.

A violência que vitimou Lauande me trouxe de volta, hoje, a Belém da minha infância. Quando crianças podiam brincar nas ruas, sem medo. Quando, mesmo os adultos, podiam passear sem tanto medo. Sem ter de olhar pra trás, a todo momento, principalmente enquanto era dia. E quando famílias inteiras, mesmo à noitinha, podiam conversar, displicentemente, horas a fio, sentadas à porta de casa.

Essa Belém, de apenas quatro décadas atrás, simplesmente desapareceu.

Foi esmagada pela guerra civil que toma conta das ruas da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país. A guerra que nasce dessa miséria brutal, vergonhosa em que vive a maioria do nosso povo. Uma opressão terrível e que, nessas horas de dor, a gente tem essa sensação horrível de que, por mais que façamos, nunca conseguiremos romper...

Neste país e nesta região historicamente escravocratas, os escravos já não “se contentam” em ser escravos: felizmente, sabem que são cidadãos; que têm direitos que vão além, muito além de um mero pedaço de pão.

Querem casa, saúde, educação. Querem lazer. Querem a esperança de que os filhos deles terão uma vida melhor. Querem ser olhados como seres humanos e, sobretudo, como cidadãos – o que não é favor algum.

É um direito que não nasce de algum “votinho” que se deposite nas urnas. Mas que pertence, de forma inalienável, a cada um de nós, seja na Terra Firme, seja em Batista Campos; seja em Nazaré, seja no Guamá.

E eu me pergunto quantos mais terão de morrer – em Batista Campos, no Guamá, na Terra Firme, em Nazaré, no Umarizal, em Icoaraci – até que as pessoas se dêem conta de que a miséria é um vírus que destrói até mesmo a possibilidade democrática.

Um vírus cujos efeitos devastadores não olham cor, instrução, religião, classe social. E que não poupam, nem mesmo, os mais pacíficos dentre nós...


Nós, a classe média, vivemos espremidos no meio dessa guerra, entre os que têm tudo e os que nada têm. Com a casinha e o carrinho que suamos pra pagar, somos um alvo fácil, porque não temos o dinheiro que os ricos possuem, para pagar pela segurança deles e dos filhos deles.

Mais que nós, porém, são alvos fáceis a dona Maria e o seu José. E os filhos deles que, todos os dias, nas ruas de Belém, do Pará, do Brasil, têm de morrer ou matar, para buscar direitos que o Estado deveria ter garantido, mesmo antes de nascerem.

Lembro daquela mãe agarrada ao filho morto, um assaltante, em algum beco miserável, desta miserável Cremação.

Lembro de Lauande, alvejado à porta de casa, quando ainda era dia.

E não posso deixar de pensar que Lauande e aquele assaltante são vítimas da mesma guerra e da mesma dor...


II


Não quero mais chorar. Agora, tô mais é a fim de gargalhar. Lauande gargalhava. E que coisa bacana é a capacidade de gargalhar...

A capacidade de levar a vida como se fora um mero aceno. Aquela coisa que está bem aqui e que logo ali não estará...

A consciência de que tudo é finito – e nós, muito, muito, muito mais... E que é preciso viver intensamente, cada lua, cada sol, cada estrela, cada mar...

Para Lauande, pensei em deixar uma oração. Mas, creio que ele não acreditava em Deus (embora eu tenha certeza de que Deus acreditava, profundamente, no Lauande...).

Aí lembrei de uma música pra cima, como ele era. E que é, também, o grito dessa revolta que, há séculos, anda presa na nossa garganta. Uma música pra cima e bem bacana, contra esse Estado perverso que ele tanto combateu:


Apesar de Você


Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal

(Chico Buarque)

Um comentário:

Anônimo disse...

Como vc tem a coragem de se dizer tucana ?
Tenha vergonha na cara e assuma ser uma jaderista de carteira assinada e tudo.
Hoje, co-autora de todos os crimes praticados por ele, roubando a honra alheia. Uma dupla feia por fora e muito pior por dentro.
Espero que nossa justiça faça você pagar por tudo o que vem fazendo apenas para agradar ao seu chefe.
Logo você, que prestou todos os serviços para os tucano pefelistas a vida inteira e só parou quando foi colocada para correr de tanto que traiu seus ex ídolos.
Desejo que você continue e morra ao lado do Jáder, e que um dia a nossa justiça faça vc pagar pelos seus crimes, e ele os dele.