quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Às novas gerações de jornalistas


A PEC que ressuscita a obrigatoriedade de diploma específico para o exercício do Jornalismo ainda tem um longo caminho a percorrer.
Depois de aprovada pelo Senado, ainda terá de passar pela Câmara dos Deputados. Mas a prova de fogo será mesmo a ação de inconstitucionalidade, no STF, que, provavelmente, enfrentará.
Sou contrária a obrigatoriedade do diploma específico de jornalismo – e disso todo mundo sabe.
Penso que tal exigência vai de encontro às liberdades de expressão e de informação, constitucionalmente garantidas.
E penso, inclusive, que essa exigência é até um anacronismo, num mundo em que a informação vai deixando cada vez mais de ser exclusiva dos canais tradicionais da Comunicação, para se pulverizar em milhões de sites, blogs e redes sociais, sobre os quais qualquer tipo de controle é absolutamente inexeqüível.
Quer dizer: quem controlará blogs, sites e até redes sociais (numa eventual utilização mais adubada no futuro), que produzem e divulgam milhões de notícias todo santo dia? Nem sempre no formato tradicional da notícia, é verdade. Mas, ainda assim, em essência, notícia.
Quem controlará até mesmo os jornais produzidos por sindicatos, associações de moradores e toda sorte de entidades, cada vez mais atentas à necessidade de divulgar as informações que lhes interessam?
Quem definirá exatamente o que vem a ser ou não o exercício da profissão de jornalista nesses novos formatos da Comunicação, ou até nos antigos formatos de comunicação, como os jornaizinhos de bairro, que já podem fazer um belíssimo trabalho de apuração da notícia, simplesmente a partir da internet?
E, o mais importante: é do interesse da sociedade e da Democracia esse tipo de controle?
No fundo, o retorno da obrigatoriedade do diploma se afigura como simples reserva de mercado nas redações e assessorias de imprensa.
Sei que estou “coberta” por essa PEC, já que exerço a profissão há mais de 30 anos e possuo registro profissional.
Mesmo assim, me incomoda muitíssimo o fato de os coleguinhas não conseguirem enxergar o absurdo dessa exigência e o quanto ela pode se tornar nociva nas mãos de um sujeito mais radical, que resolva sair  exigindo jornalistas diplomados para toda essa produção societária, nos jornaizinhos das entidades e na internet.
Afinal, blogs e sites (e até redes sociais) tendem a ganhar sustentatibilidade, com a propaganda que mais e mais se acentua nesse universo.
E o que os jornalistas pretendem fazer em relação a esse novo filão, a esse novo mercado de trabalho?
Vão se unir à retrógrada Justiça brasileira, a tentar controlar sites e blogs?
Vão se deixar usar, da mesma forma que se deixa usar o Judiciário, para tentar garantir o silêncio, a desinformação?
No entanto, se sou contrária à exigência do diploma, para o exercício profissional, sou, sim, muito, mas muito favorável ao curso de Comunicação.
E se puder dar um conselho a esses meninos e meninas que hoje enveredam por essa tão sofrida profissão é: estudem, estudem, estudem e estudem.
Mas não estudem apenas para passar nas provas e obter um diploma: estudem é com amor; estudem é com aquela dedicação que nos faz absorver cada frase em sala de aula; cada livro nos cai nas mãos.
Amem não um pedaço de papel, mas o conhecimento – que exige muito, mas muito mais esforço.
Aprendam a raciocinar em cima de cada informação, para questioná-la uma, duas, dez vezes, até que ela se mostre, de fato, lógica e cristalina.
Não vejam o Jornalismo apenas como uma forma de sustento. Com raras exceções, essa profissão proporciona ganhos estupidamente baixos, quando se tenta desempenhá-la com um mínimo de dignidade.
Vejam o Jornalismo como um ganho profundo da sociedade, em qualquer tempo. Vejam o Jornalismo como a voz dos que não têm voz. Vejam o Jornalismo como a arma dos cidadãos para transformar a sociedade e levá-la, cada vez mais, no rumo da decência e da Democracia.
Internalizem isto: que o Jornalismo é uma profissão estratégica, em qualquer tempo e lugar.
E que, por isso mesmo, o Jornalismo não tem pai, mãe, irmão, parente, aderente, pátria, governo - e muito menos “dono”.
A nossa matéria-prima, a informação, é um bem social - e assim tem de ser vista e tratada.
Saibam que essa é uma guerra, um jogo de poderosos interesses.
E que, ao entrarem nesse campo de batalha, as ofertas serão muitas, de Mefistófeles para todos os gostos...
Mas que é necessário que vocês, a cada hora, a cada dia,  reafirmem esse compromisso de darem voz aos que não têm voz.
É preciso que vocês nunca se permitam esquecer essa essência social, cultural que há em cada ser humano.
O fato de que somos todos produtos dessa longa jornada das sociedades humanas. E que é a elas que temos de devolver tudo aquilo que fizeram por nós.
Não temam a falta de exigência do diploma ou a absoluta impossibilidade de controle profissional desses novos tempos.
Sejam competentes naquilo que fazem; sejam bons naquilo que fazem, tratando cada notícia como um novo amor.
Sejam dignos: briguem, com todas as armas possíveis, contra a censura e pelo direito social à informação. E nunca abaixem a cabeça, nunca permitam que transformem vocês em meros panos de chão. Tenham auto-estima e respeito próprio, que é a chave para obter respeito de entrevistados, coleguinhas e patrões.
Sejam honestos: não tenham vergonha de dizer “eu não sei”, “me desculpe” ou “errei”.
Nunca se furtem de perguntar: há perguntas de menos, jamais em demasia.
Nunca se deixem intimidar por ameaças e provocações.
Encarem isso apenas como a sordidez do arsenal à disposição daqueles que tentam negar à sociedade um direito líquido e certo.
Sejam humanos, profundamente humanos, sem medo de se indignar e de se enternecer diante do sofrimento alheio.
E, sobretudo, façam Jornalismo com muito, muito tesão!
Façam Jornalismo todos os dias com a mesma curiosidade, ansiedade e desejo do primeiro ato.
É isso aí.  

2 comentários:

lapaoloni.blogspot.com disse...

Anita,

que belíssimo texto.

Parabéns.
bjs

verapaoloni

Luciane disse...

Ana, eu concordo em parte com o que vc escreveu. Penso que a liberdade de expressão não será afetada com a exigência do diploma, pois os blogs e outros informativos vão continuar a existir. Em casos específicos, como um jornal de bairro ou um blog de outra entidade de classe, por exemplo, por mais bonita e louvável que seja a iniciativa, necessita ao menos de um editor para fazer com que a informação chegue da melhor forma aos seus receptores. Um jornalista poderia fazer esse trabalho até voluntariamente. Tb acho que publicações deste tipo não serão extintas com a exigência do diploma, já que isso não acontecia antes. A Justiça controlar a internet com a força e o tamanho que ela tem hoje é quase impossível. Penso que a exigência do diploma pode, sim, qualificar o trabalho nas assessorias e redações - que recebem diariamente todo tipo de material de "assessores" de empresas, políticos... Agora sobre o curso de Comunicação eu concordo, é tão importante quanto a dedicação dos alunos. Mas seria difícil um aluno se dedicar com a mesma vontade sabendo que não precisa do diploma para exercer o Jornalismo? A queda na procura dos cursos nos vestibulares com a não obrigatoriedade mostrou isso. Jornalistas, como os demais profissonais, devem estudar a vida inteira. E com paixão, como vc bem coloca:
"Sejam humanos, profundamente humanos, sem medo de se indignar e de se enternecer diante do sofrimento alheio.
E, sobretudo, façam Jornalismo com muito, muito tesão!
Façam Jornalismo todos os dias com a mesma curiosidade, ansiedade e desejo do primeiro ato".
Belo post.
Grande beijo!
Lu.